(Re) Conhecendo

 (Re) Conhecendo

Quem sou eu?

Meu nome é Gi Carvalho sou casada há 30 anos com Luciano Rodrigues. Temos duas filhas uma que se chama Suanne, 27, e Rayanne, 24.
Suanne sempre foi a menina que sofreu bullying por ser gordinha na vida. Rayanne, minha filha mais nova, sofreu uma abuso sexual aos 12 anos e, por entender que precisava ter outros cuidados mais urgentes com o psicológico de Rayanne, precisava mais do meu apoio maternal. Distanciei-me um pouco das necessidades emocionais de Suanne… Talvez se não tivesse sido assim, ela não tivesse me escondido tanto sua condição LGBT. Na verdade nem sei se ela já se compreendia como lésbica nesse tempo. Sinto-me culpada por não ter sido mais presente na vida dela. Entretanto, ela também se percebeu na necessidade de cuidar da irmã, em sua própria zona de conforto e segurança.


É claro que éramos próximas, sempre fomos muito ligadas… mas naquele momento o problema com Rayanne exigia mais de mim. E também dela.
Suanne fez a cirurgia bariátrica aos 20 anos e acho que isso foi libertador pra ela em todos os aspectos. Logo depois, ela resolveu por estudar em Jaguarão, no extremo Sul do país e foi enfrentar o frio, a solidão e muita provação… só lá havia o curso de Produção Política e Cultural que ela queria. Foi no segundo ano dela lá que Rayanne me alertou sobre o fato de Suanne ser Lésbica. E eu comecei a achar que o que Rayanne pretendia com aquela conversa era me preparar para o que talvez ela já soubesse.
Nós temos um discurso pronto de “somos pais abertos, respeitamos a opção de cada um, etc.” Mas quando o caso é com nosso filho… nenhuma teoria ou discurso é bom suficiente pra acalmar nosso coração.
Tivemos a conversa mais dura que mãe e filha poderiam ter na vida… fui rude, grosseira, mal educada e agressiva com minha filha quando ela me falou que era lésbica. Não fui a mãe que ela esperava que fosse… a decepcionei! Vi isso nos olhos dela.
Eu fiquei muito mal. Não queria uma filha lésbica… como eu ia falar isso pro pai? Pros parentes? Como eu ia trabalhar essa questão em mim? O meus medos e vergonhas?
Naquela hora eu falei como se fosse preocupação com a violência… Mas eu sei que eu estava querendo justificar a minha decepção por ter planejado outra vida pra ela… O medo existia mas não era maior que a vergonha de dizer pra sociedade que eu era uma mãe de uma lésbica e que isso não me deixava feliz. Era meu preconceito velado e disfarçado de cuidado
Ela então me pediu que não fizesse da vida dela o drama da minha!
Ela me falou do meu egoísmo e de como eu poderia um dia ter falado de amor incondicional, e agora me comportava como um ser condicionado pelo preconceito?
No dia seguinte eu antecipei minha passagem. Continuei a saga da mãe sofrida enquanto na verdade eu fazia minha filha sofrer muito com minha renúncia.
E naquela cidade que por si só já é fria e sofrida, eu deixei minha filha sem apoio e sem provar pra ela que eu era a mãe que ela sempre sonhou… eu deixei minha filha triste e decepcionada.


Chegando em Porto Alegre antes de voltar pra Recife, coloquei na balança o sofrimento que passei com o abuso de Rayanne… quando um homem roubou a inocência dela analisei por quantas vezes eu disse que o que importava pra mim era a felicidade delas e, pra completar, analisei também o fato de não caber a mim decidir o que minhas filhas escolhem pra viver… Gerar um filho não me faz detentora da vida dele. E se eu como mãe prometi a minha filha amor incondicional e eterno, a estava abandonando, imagine o que a sociedade faria com ela? O que me fazia decidir por abandonar minha filha aos julgamentos da sociedade e não defender o direito dela a viver e amar a quem ele escolhesse? Reconheci que o meu orgulho, minha intolerância, arrogância e meu ego precisavam ser desconstruídos em nome da vida da minha filha, em nome da minha Família e de um mundo mais igualitário.
Esse meu desejo se estende a Rayanne. Que ela possa se livrar de todos traumas que ela tem e que não escolheu ter.
Se estende a Carolina, namorada de Suanne que eu acolhi como filha em minha vida e em meu coração. E a todos os filhos LGBTs que sofrem pelo abandono, pela intolerância e pela falta de amor!
Lembro de um dia ter dito a minha filha “Mãe e Pai nenhum que ver o filho sofrer”. E para garantir que nossos filhos não sofram mais nenhum tipo de violência, eu vou lutar para garantir a todas as pessoas o direito de Viver e amar a quem quiserem!

Sim, minha filha já sofreu uma agressão… uma não, duas… as duas sofreram! E eu o que fiz? Resolvi desde então transformar minha dor em LUTA!

Hoje sou coordenadora do Mães pela Diversidade em nosso Estado… E junto com minha família que também saiu do armário, vivemos nossos dias trabalhando pra fazer crescer essa rede de amor!

PORQUE ser mãe de LGBT é:
Descobrir que tem mais gente interessada nas relações sexuais da sua filha, que você. E muitas vezes, até mais que ela mesma.
É deixar de fazer questão de estar na presença de pessoas que fazem piadas das situações onde a existência do outro é rechaçada. É andar com sua filha e Nora observando se as pessoas estão olhando ou fazendo comentários maliciosos.
É saber que você tem um filha maravilhosa, estudiosa, educada, generosa, linda e muito amada, mas que pra muitos ela é só “SAPATÃO”. E que isso coloca ela em vulnerabilidade extrema.

É saber que, por mais que ela tenha direitos, não pode andar de mãos dadas com sua namorada e nem beijar em público, por correr o risco de ser atacada.
É precisar sair da sua casa para acompanhar sua filha na delegacia, mesmo ela tendo 27 anos, pra ajudar na hora de fazer uma ocorrência porque sua filha vai deixar de ser respeitada na hora que o agente policial perceber que ela é LGBT.
É precisar virar ativista para que as pessoas te enxerguem e passem a respeitar a existência da sua filha.

É ver sua filha estudar mais de 3 anos, longe de casa pra quando voltar, conseguir um emprego e pedir demissão uma semana depois que entrou pois não aguentou ouvir piadas LGBTfóbicas dentro da repartição.
É saber que somos muitos e que hoje eles não estão mais sozinhos, mas que mesmo esse muito não consegue se organizar pra que possam viver em paz… É saber que mesmo no meio LGBT ela sofre preconceito e que é preciso que mais famílias entendam a necessidade de caminharem juntos para transformar a sociedade e garantir a dignidade e o respeito à existência dos nossos filhos.

#lutecomoumamae

Gi Carvalho
Coordenadora estadual do Mães pela Diversidade
@gicmachado

robsonouropreto

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