UMA REVOLUÇÃO FEMINISTA

“A moda permite assumir tantas identidades, brincar com o prazer de interpretar papéis diversos.” Assim falou Maria Grazia Chiuri. Desde quando assumiu a direção criativa da Dior, em 2016, a italiana adotou uma postura política. E, a primeira estilista principal mulher da Maison tem feito isso com maestria. A moda não deixa de ser arte. Esta, por essência, defende ideias.
Logo em sua primeira coleção, ela levantava sua principal bandeira, o feminismo. Dentre as peças do desfile, surgia a modelo vestida com uma camiseta exibindo a frase, “We Should All Be Feminists” (sejamos todas feministas).
Outro traço marcante do trabalho de Chiuri tem sido as homenagens a grandes artistas mulheres. Não é novidade para ninguém como tal meio é excludente, subjugando mulheres ao longo dos anos. Frente a tamanho histórico patriarcal, é quase como um pedido de desculpas àquelas mentes brilhantes que, em virtude de uma sociedade frágil e opressora, foram humilhadas e antagonizadas. As estampas e os bordados que transmitiam a rebeldia de Niki Saint Paulle.
O grande útero projetado por Judy Chicago nos jardins do Museu Rodim para a semana de Alta Costura. Dentro do cenário, dois dos vinte painéis, bordados com dizeres, “ E se as mulheres governassem o mundo?”; “Haveria violência?” Produzidas apenas por tecelãs indianas, as peças consentiram outra forma de confrontar a desigualdade de gênero; já que no país, o ramo é altamente dominado por homens.
No início do último ano, penduradas acima da passarela, placas criadas pela artista Claire Fontaine, em solidariedade ao movimento Me Too, exibindo as palavras “Consentimento, Consentimento, Consentimento.” E, em um tom cativante de vermelho, a afirmação, “When Women Strike the World Stops” (quando mulheres protestam, o mundo para).
Durante o lockdown, mediante a impossibilidade de realizar um evento físico, Maria aliou-se ao diretor Matteo Garrone para apresentar a coleção de Haute Couture em uma curta-metragem, Le Mythe Dior, uma síntese de mitologia e surrealismo. Fortemente influenciado pelas teorias freudianas, a vanguarda desconstrói a razão e recorre ao inconsciente como fonte de criatividade. Já em 1933, a Dior foi a pioneira em organizar uma exibição surrealista. Isto levou Maria Grazia Chiuri a tomar cinco artistas do movimento como referência. Dora Maar, musa e maior obsessão de Picasso, era fotógrafa e após a convivência com o espanhol também decidiu dedicar-se a pintura.
A relação turbulenta entre ambos deslumbrou o mundo. Inspirou uma série de obras esplendidas do cubista, alterou seu nome de batismo (Henriette Théodora Markaltch) como forma de consolidar sua independência. Lenora Carrington com sua arte poética e símbolos de sua imaginação. Lee Miller integrou a fase Inter-War do movimento, era o próprio reflexo de liberdade. Dorothea Tanning, grande pintora, fez parte do grupo influenciado por André Breton.
Em uma das mais famosas fotografias de Lee Miller, aparece pequenininha ao lado da figura gigante de seu marido Max Ernst. Esta imagem trouxe uma nova leitura de proporção para Chiuri. Sua paleta de cores luminosas aparece no delicado vestido feito de renda Chantily. Jacqueline Lamba é a própria encarnação do conceito Avant-Garde.
Esposa de André Breton, de quem mais tarde se divorciaria, estudou na Union Centrale des Arts Décoratifs e na Beaux-Arts de Paris. Residiu em um dos maiores epicentros de intelectuais, o Villa Air-Bel em Marseille, refúgio de americanos durante a ocupação. Ao fazer parte do Jeu de Marseille, reinterpretou o tarô divinatório, reinventando algumas das cartas.
A carta Génie d’amour – Flamme inspirou diretamente a peça da coleção que leva o seu nome. Sob a tutela de Maria Grazia, a Dior se tornou um meio de representação social. Um grito alto, digno do orgulho de Simone Beauvoir. “Que nada nos limite. Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja nossa própria substância.”