Brasil insiste no “jeitinho” com a PEC, mas precisa fazer reforma profunda

 Brasil insiste no “jeitinho” com a PEC, mas precisa fazer reforma profunda

Fernando Cavalcanti* e Fábio Araújo**

 

Honrar as contas é a base de toda a credibilidade econômica. Para postergá-las sem perder o crédito é necessário construir lastros e demonstrar responsabilidade. Mas, no Brasil, esta não parece ser uma grande preocupação. Por aqui, o sempre criativo “jeitinho brasileiro” continua existindo e se fortalece ainda mais às vésperas de períodos eleitorais.

 

Nada há de mais criativo hoje no país do que a promulgação fatiada da PEC dos Precatórios, iniciada na última quarta-feira (08/12). A “saída” encontrada para bancar o necessário auxílio às famílias mais vulneráveis demonstra, infelizmente, a dura realidade da economia brasileira: a de que o Estado não se organizou para equilibrar suas contas e comete, mais uma vez, irresponsabilidade fiscal. O rombo é grande e não foi causado somente pelas emergências da pandemia.

 

Basicamente, até aqui, a solução arranjada com a PEC dos Precatórios simplesmente empurra o rombo. Possibilita a criação do novo programa social do governo e ajuda a base política a conseguir mais emendas no Orçamento pré-eleitoral.

 

O problema é que a mágica é grande demais, pois a PEC dá um drible na Constituição para abrir um espaço milionário (e mesmo assim insuficiente) para novos gastos e ainda aplica um segundo artifício: muda o cálculo da inflação que regularia o limite do Teto de Gastos do governo. Acontece que, quando o teto foi criado, atrelando as despesas do governo à inflação, havia folga para gastos, o que não é mais possível com a inflação em acelerado crescimento.

 

Mesmo que o texto da PEC seja aprovado inteiramente, o que proporcionaria R$ 106,1 bilhões a mais para gastos do governo no próximo ano eleitoral, ainda haveria um rombo de R$ 2,6 bilhões no Teto de Gastos por conta da regra que atrela as despesas do governo à inflação. Com esse “rombo”, as pressões para novos aumentos dos gastos vão continuar e agora devem se concentrar nas negociações para a votação do Orçamento, que deve ocorrer ainda esta semana.

Mas criatividade tem limite. Com tanto malabarismo, a situação fiscal do Brasil poderá se tornar insustentável. Significa, simplesmente, a perda total da credibilidade. É preciso sempre lembrar que a PEC prevê calote nos precatórios, ou seja, prevê o pagamento limitado de dívidas judiciais já transitadas em julgado e reconhecidas pela União. Em resumo, a PEC introduz na Constituição o direito de o Executivo burlar chanceladas decisões do Judiciário, tirando toda a confiança capital.

Nos últimos oito anos, desde que o saldo primário das contas públicas entrou em colapso, o arcabouço da Lei de Responsabilidade Fiscal começou a ser solapado. O gasto público tem crescido muito mais que o PIB. As finanças públicas, da forma como estão, não são sustentáveis. Basta notar que 80% dos gastos da União vão para a Previdência e a folha de pagamento dos servidores públicos.

Para além dos remendos criativos, é hora de o Brasil reconhecer a necessidade de repensar profundamente o seu regime fiscal. Afinal, como deixar o Estado deficitário, sem capacidade nenhuma de investimento? A grande questão para os investidores é: como o Brasil administrará o aumento da relação dívida/PIB e restaurará a estabilidade?

Muitos países já estão se organizando para a etapa pós-controle da pandemia. Anunciaram ou estão anunciando pacotes de estímulo fiscal para favorecer a recuperação econômica e o alcance de objetivos estratégicos de médio e longo prazos.

Enquanto isso, o Brasil parece apostar na estratégia de que será possível superar a crise social e econômica prescindindo desse tipo de pacote fiscal, com calote e contabilidade criativa.

 

Faz-se mais que necessária uma ampla reforma na área econômica e uma estratégia real de desenvolvimento para os próximos anos. Todos os oráculos econômicos alertam que 2022 será um ano extremamente difícil em todo o mundo. No Brasil, o cenário econômico é ainda mais preocupante, pois precisamos lidar também com a inflação crescente, a incerteza eleitoral e a irresponsabilidade fiscal.

Diante de uma expectativa econômica tão ruim, o mínimo a fazer seria efetivar uma reforma tributária em vez de seguir a linha do desmonte das nossas instituições fiscais. É como se estivéssemos em uma bolha prestes a explodir. Assim, é tolice achar que será possível empurrar com jeitinho o problema brasileiro por muito tempo. O país não suporta mais remendos ou concessões de alto custo. É necessário que as mudanças, mesmo as parciais ou graduais, tenham consistência. Apesar do ano eleitoral.

 

*Fernando Cavalcanti é economista e vice-presidente do Nelson Willians Advogados.
**Fabio Araújo é economista, especialista em economia urbana e engenharia financeira.

robsonouropreto

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