TRF-5 não encontra motivos legais para impedir construção de prédios no Cais José Estelita, no Recife
Decisão atende a recurso do Consórcio Novo Recife e modifica sentença que anulou leilão do terreno. Porém, obra não pode seguir, devido a um embargo arqueológico, que aguarda complementação de documentações, segundo o Iphan.
O Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) não encontrou motivos legais para impedir a construção de prédios no terreno dos armazéns do Cais José Estelita, no bairro de São José, no Centro do Recife. A decisão, emitida na quarta-feira (14), atende às apelações do Consórcio Novo Recife, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e da União Federal, para reformar a sentença da 12ª Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco (SJPE) que declarou a nulidade do leilão do Pátio Ferroviário das Cinco Pontas. Com essa decisão, o leilão do terreno foi considerado legal.
A decisão da Quarta Turma do TRF-5 foi unânime de que, em relação ao leilão do terreno, nenhum dos elementos apontados nos autos comprovam que ele precisaria ser anulado. No entanto, isso não significa que a obra do projeto Novo Recife, que prevê a construção de torres residenciais e empresariais no terreno no Cais José Estelita, pode seguir. Segundo o Iphan, o processo de tombamento do Pátio Ferroviário das Cinco Pontas foi arquivado no primeiro semestre de 2016, mas, na área do Cais José Estelita, há um embargo referente ao Serviço de Arqueologia, que aguarda complementação de documentações. O Iphan não informou quais são os documentos pendentes.
De acordo com o TRF-5, o Judiciário não pode entrar no mérito de atos administrativos como o ato de tombamento, já que o Iphan se posicionou pelo não tombamento da área, uma vez que esse procedimento não destaca a relevância histórica do local, exceto na parte do imóvel que contém a fachada do “armazém casario”. Esse trecho da construção é remanescente da primeira estação de trens do terreno, que, pertencia originalmente à Rede Ferroviária Federal S.A (Refesa), e, segundo o TRF-5, ficará preservado no Projeto Novo Recife.
Segundo o relator da apelação, o juiz federal auxiliar Ivan Lira, “nesse ponto, merece reforma a sentença. Se for para fazer o controle a posteriori do ato do tombamento, o Judiciário deve armar-se de toda cautela possível, para não ingressar no mérito administrativo do ato, respeitando, sobremaneira, todos os elementos construtivos desse atributo bem reservado do administrador, incabível é que esse ingresso ocorra em um espaço onde o administrador sequer movimentou a sua máquina para operar o tombamento”.
Por meio de nota, o Consórcio Novo Recife informou à reportagem que “reconhece a decisão unânime do TRF5 favorável ao Projeto Novo Recife com a segurança de que sempre agiu dentro da legalidade em todas as etapas que circunscrevem o projeto”. O Consórcio afirmou também que trabalha nos estudos complementares para o projeto, “que devem ser concluídos até o primeiro semestre de 2018”, para dar prosseguimento aos “trâmites previstos para a realização dos empreendimentos”.
O Movimento Ocupe Estelita, contrário ao Projeto Novo Recife, também alegou, em nota, que não teve acesso ao teor da decisão do TRF-5 e só vai divulgar um posicionamento oficial após analisar o provimento. Também através de nota, a Prefeitura do Recife ressaltou que não está implicada na decisão do TRF-5, “uma vez que o leilão do terreno foi realizado pelo Governo Federal”. O Ministério Público Federal foi procurado pela reportagem, que aguarda o envio de um posicionamento sobre o assunto.
Entenda o caso
O terreno do Pátio Ferroviário das Cinco Pontas, no Centro do Recife, foi arrematado em 2008 pelo Consórcio Novo Recife para construção do Projeto Novo Recife no terreno no Cais José Estelita. Desde a sua criação, em 2012, o projeto é alvo de polêmicas.
Cinco ações questionaram o Novo Recife: uma civil pública do Ministério Público estadual, uma do Ministério Público federal e três ações populares. As ações populares pedem a nulidade do ato administrativo do Conselho de Desenvolvimento Urbano (CDU), que aprovou a proposta imobiliária no fim de 2012.
Em dezembro de 2013, a Prefeitura do Recife aprovou o projeto imobiliário, exigindo novas ações mitigadoras — aquelas tomadas para compensar os possíveis danos causados pela construção. O valor da compensação subiu de R$ 32 milhões para R$ 62,7 milhões, com a inclusão de biblioteca, túnel e um parque linear, entre outros itens. Um termo de compromisso entre a gestão municipal e consórcio de construtoras responsável pelo Projeto Novo Recife foi assinado na ocasião.
Após o Consórcio Novo Recife ter iniciado a demolição dos armazéns do local no dia 21 de maio, um grupo de manifestantes iniciou um acampamento no Cais José Estelita no dia seguinte. Segundo os manifestantes, as máquinas pararam o serviço após uma advogada do grupo Direitos Urbanos, movimento que desde o começo do projeto pressiona a gestão municipal contra a construção, ter alegado que o alvará apresentado pelos seguranças era uma cópia do original.
Durante a ocupação, o grupo do movimento Ocupe Estelita promoveu festas no local e, em outras ocasiões, houve confronto com a Polícia Militar para que o acampamento fosse retirado do local, devido a ordens de reintegração de posse.
Em 2015, a Polícia Federal deflagrou uma operação para apurar fraudes no leilão ocorrido em 2008 que permitiu a compra do terreno do Cais José Estelita. A suspeita é de que o Consórcio Novo Recife tenha arrematado o terreno por um preço inferior ao do mercado em quase R$ 10 milhões. A operação se chama Lance Final.
Dois mandados de busca e apreensão foram cumpridos na sede do Consórcio Novo Recife, no bairro de Boa Viagem, e na Milan Leilões, em São Paulo. A PF informou que há evidência de crime previsto na lei de licitações (Artigo 90 da Lei 8.666/93), que trata sobre o caráter competitivo dos leilões.
Em novembro de 2015, a Justiça Federal anulou a compra do terreno do Cais José Estelita. A decisão também determinava a abstenção do poder público de autorizar todo e qualquer projeto no entorno do Forte das Cinco Pontas, incluindo o Cais, e que o Consórcio Novo Recife restabelecesse o estado anterior em que o local estava.
Edição: Robson Ouro Preto